Na quinta-feira (20) o BC (Banco Central do Brasil) emitiu, experimentalmente, as primeiras unidades do real digital. Com isso, a autoridade monetária brasileira deu um passo importante na emissão de sua moeda digital, um movimento que vem ocorrendo em vários países e que deverá representar – sem exagero – uma revolução nas finanças como as conhecemos ao redor do mundo.
O real digital está mesma lista de das demais CBDC (Central Banks Digital Currencies) ou moeda digital dos bancos centrais. Tecnicamente, o real digital será uma “stablecoins”, ou moeda de valor estável, valendo um real. Isso faz com que ele seja diferente de criptoativos como bitcoin ou ethereum, cujas cotações oscilam. Os reais serão emitidos em um ambiente de teste, no Laboratório de Inovações Financeiras e Tecnológicas (LIFT). Até o final de dezembro, a versão “demo” deve ser apresentada.
À primeira vista, o real digital não parece ser muito diferente dos reais “convencionais” que trafegam pelos servidores dos bancos e das processadoras de pagamentos. O papel-moeda vem sendo cada vez menos usado, pelo menos nas transações formais da economia (o mercado informal é outra história, mas não trataremos dele aqui).
Pense, por exemplo, no seu salário. Ele é creditado em uma conta bancária pelo seu empregador. Esses recursos são usados para pagamentos. Podem ser boletos em débito automático, podem ser cartões de débito e crédito, e podem ser transferências via Pix. Todas essas transações, que trafegam por meios muito diferentes, são “digitais”: são trocas de informações entre sistemas, sem movimentação de dinheiro físico.
Bancos preocupados
O real digital terá uma diferença muito importante. Todas as transações anteriores – Pix, cartões ou débitos automáticos – necessitam de uma “autenticação” bancária. Pode ser uma conta corrente ou conta-poupança em um banco, pode ser uma conta de pagamentos em uma instituição de pagamentos. Isso não valerá para a nova moeda. “O real digital ficará em ‘wallets’ e será transacionado entre elas”, diz Carolina Gladyer Rabelo, diretora da ABBC (Associação Brasileira de Bancos), entidade que reúne 115 instituições financeiras e de pagamentos, além de cooperativas de crédito. “As transações não necessariamente terão de passar pelos bancos.”
Isso representa uma mudança mais profunda do que a introdução do Pix. O sistema de remessas instantâneas e gratuitas (ou quase) é intermediado pelo BC. Mesmo assim, as transações ainda trafegam pelo sistema financeiro. No caso do real digital, um usuário que tenha um celular com conexão à internet poderá receber recursos e fazer pagamentos sem se cliente de um banco. “E há outras possibilidades, como por exemplo facilitar operações de câmbio entre o real e outras moedas digitais”, diz Euricion Soares Pinho, diretor de inovação da ABBC.
Riscos e vigilância
Para os diretores da Associação, tantas possibilidades vão levantar discussões sobre os novos riscos. “Quando as transações financeiras migram de um ambiente bancário regulado para o blockchain, a primeira preocupação é a segurança” diz Pinho. “Como evitar fraudes e lavagem de dinheiro, por exemplo.” Além disso, há o impacto sobre o sistema financeiro, que o diretor reconhece ainda ser uma incógnita. “Essa transição digital pode assustar os bancos mais clássicos e tradicionais”, diz ele.
Por exemplo, se todos os recursos de uma pessoa estão em uma “wallet” em seu celular, como garantir a segurança do dinheiro se o celular for perdido ou roubado? Um dos problemas, diz Pinho, é que a segurança não evolui tão depressa quanto a tecnologia.
Não por acaso, a iniciativa digital mais avançada é da China. O Banco do Povo, o BC chinês, está bem adiantado na emissão do renminbi digital. No fim do ano passado, o governo proibiu as transações com criptomoedas clássicas e impediu que cidadãos chineses minerassem ou investissem nesses ativos, em uma tentativa de forçar a circulação da moeda governamental.
Além de aumentar a vigilância sobre as transações financeiras, a iniciativa deverá facilitar a conversibilidade do renminbi, tornando a moeda chinesa uma referência, assim como o dólar. A China é o principal parceiro comercial do Brasil e de dezenas de países. Se fosse possível realizar todas as transações financeiras de maneira digital e automática, sem o trabalhoso e caro aparato das corretoras de câmbio, isso poderia tornar a moeda chinesa uma reserva de valor, assim como o dólar e o euro. Para discutir esses assuntos, a ABBC vai realizar um congresso em São Paulo no dia 8 de novembro, o Conecta ABBC.
Fonte: Forbes Brasil